sexta-feira, novembro 22, 2024
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COTIDIANOS

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Texto de Antonio neto.

ás 13:09

Foto: Reprodução

Sua mãezinha teve que ir embora para São Paulo à busca de trabalho e deixou para trás o filhinho e a mãe, pois era mãe solteira. Ele ficou com sua vozinha, que já era viúva. Moravam os dois num terreno enorme onde ela criava galinha e fazia sua horta; viviam com dificuldades até que sua vozinha se aposentou e sua mãe começou a trabalhar numa panificadora. Ele crescia feliz, pois cresceu correndo atrás de borboletas, pegando preá com uma baladeira como troféu ao pescoço, e criando passarinho. Hoje, se encontra aos quinze anos, mas cresceu ajudando sua vozinha nas tarefas de casa, ela fazia o almoço e ele varria a casa, ela botava milho pras galinhas e ele lavava as loucas e as roupas, ela zelava a horta, com água e estrume e ele brincava no terreiro, bolando pelo chão, com seu amigo Amarelo, um vira-lata bem cuidado e fiel. Assim, passavam-se os dias. Todas as noites, sua mãezinha ligava para dar e saber notícias dos dois etodos os meses mandava sua mesada para comprar sua coisas. Era bem criado, introspectivo e caseiro, não gostava de rua, gostava de viver recluso no seu mundo particular, com seus amigos imaginários. Estudava numa escola pública e tinha uma bicicleta que sua vozinha comprou na oficina do Vitório. Era uma Caloi antiga que havia sido toda reformada, com pneus novos, selim novo, pintura nova e todos os adesivos do ano de fabricação. Era para ele ir para escola pois, a mesma ficava um pouco distante do seu povoado. Seu quarto era bem organizado, com sua roupa lavada, gomada e dobrada por sua vozinha no seu guarda-roupa. Sua cama sempre bem arrumada, com colcha e lençol macios e sempre cheirando a lavado. E, ao lado direito da cama, o tapete amarelo onde o Amarelo dorme. Seus bonés, seu desodorante, seu pente, sua escova e seus perfumes sobre a estante. Uma mesinha, no canto do quarto, em madeira rústica comprada na feira para seus livros e mochila. Uma vidinha pacata, medida e feliz. Havia uma promessa de sua mãe, de que voltaria quando ele completasse dezessete anos para levá-lo ao alistamento militar, para servir ao Exército Brasileiro, que era um sonho de infância. Então, sonhava todos os dias com aquela data, pois realizaria dois sonho: servir ao Exército Brasileiro e ter sua mãezinha de volta ao seu convívio. Era muito novo quando ela partiu por necessidade e por abandono do marido. Só a conhecia por fotografia. Todos os dias, religiosamente, ao término do expediente, ela ligava. Ele jantava e ficava ansioso esperando o telefone tocar para contar como foi o seu dia, e depois descansava em paz. No dia de receber a aposentadoria da sua vozinha, eles iam com seu Batista, que tinha um Corcel, quatro portas, bem zerado, antigo e conservado. Aquele dia do mês era dia de alegria. Era contratado por três idosas para levá-las à agência do banco e depois, na volta, ao comércio para que pudessem fazer suas compras do mês. Ele ia no banco do carona, conversando com seu Batista a respeito de mecânica. As três idosas, em vestidos de chita, iam no banco de trás. Ele conduzia sua vozinha pelo braço e o seu Batista conduzia as outras duas até a agência. Na volta, passavam no Comercial Santa Cruz, pagavam algum fiado, que ficou do mês anterior e faziam uma nova conta. Ele entregava a lista das compras pro Raimudo e ia tomar seu refrigerante com seu pacote de biscoito. O Raimundo ia separando as compras e as velhinhas ficavam conversando, sentadas na varanda do comércio, pegando um vento que vem da mata virgem. São os primeiros a descerem do automóvel. Ela abre a cancela e entra com sua bolsinha preta ao ombro, e o Amarelo falta se quebrar ao meio de tanta alegria de vê-los retornar. Pula no João e volta correndo para dentro da quinta. Faz isto por diversas vezes, até que, terminado de botar as compras para dentro e de pagar seu Batista, desejando-lhe um bom dia, ele se agarra ao Amarelo em abraços e beijos, e passam e fecham a cancela. Sábado, pela manhã, ela entrega o dinheirinho para ele ir voando em sua bicicleta com o Amarelo ofegante, correndo ao lado, à barbearia do Zezim cortar o cabelo. Ano que vem fará 16 anos, fica pensando, deitado na rede da sua vozinha – que fica estendida na sala – olhando pro telhado, e imaginando o dia da chegada da sua mãezinha…

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