Crônica
às 11:12

Vivi muitos anos da minha vida entre pessoas idosas e sábias. Devido a esta convivência meus hábitos são velhos, arcaicos, decifrados, assim como eu o sou. Carrego algumas flanelas ao bolso, por mania. A Joyce nunca irá entendê-las. Os remédios nunca me faltam. A vida, que me comprimia, arrastava e amassava, hoje é minha parceira e companheira de dias agradáveis e felizes. Meus dias são límpidos, cristalinos, belos e velhos, independem de qualquer circunstância para nascer. Só quero em abundância o oxigênio e os pássaros. Meu alimento é franco: três colheres de arroz, duas colheres de feijão, um pouco de salada, um pedacinho, ínfimo, de carne magra e uma pitada de farinha branca. Meus dias e a vida, hoje, caminham lado a lado, de mãos dadas. Quando o dia nasce nu e cru, sem bijuterias, sem acessórios, sem falácias e sem bugigangas, tem mais sabor, odor, leveza e beleza. Hoje, minha satisfação está, justamente, no pouco, que traz sabor de muito. Os anos levaram-me a ansiedade e as necessidades. Carregava cestos e cestos de bobagens tradicionais, que só me fatigavam, dia e noite. Atormentavam e faziam-me escravo, hoje sou mambembe. Toquei fogo, e as cinzas espalhei ao vento. Hoje, folgo-me em desfrutar do dia em sua inteireza. Planos? Só me tiravam o sono. Projetos? Só me levavam à preocupação e surrupiavam meus sonhos. Não preciso de nada a não ser de mim. Fazer ilações sobre o futuro, que nos foi, é e será incerto, é nadar no seco, procurar chifre em cabeça de cavalo. A vida que tenho hoje não tem nada a ver com a vida que teci na juventude, os caminhos e acontecimentos foram totalmente diferentes. Os anos são a prova cabal de que o futuro não nos pertence. O mundo tem o seu próprio espírito, sua alma, seu corpo e suas leis e diante de tudo, que aprendi na marra, acalentei meu coração pois os dias, a vida e o mundo, irão cumprir a sua sina e ninguém, jamais, será capaz de pará-los. Hoje, se o tempo voltasse, faria tudo diferente, pois não correria mais atrás do vento e nem do tempo. Hoje, comeria mais picolé, faltaria mais às aulas para banhar de rio e andar de carroça. Saberia mais de Fernando Pessoa do que de geografia. Hoje, estaria mais para Vasco da Gama, com minha caravela, em alto mar, do que de política, religião e futebol. Talvez fosse um Bandeirante, para desbravar a Amazônia ou o quintal da minha cidade. Sairia do concreto frio, morno e demente, das grandes cidades, de ferro, e moraria em alguma praia deserta. Vivendo a vida como deve ser vivida. Longe de tributos, sem patrimônios…