Sou garoto do Sertão
às 11:50
Sempre, desde muito pequeno, gostei de caçar, de mato e de pular dos galhos de árvore dentro de riacho. De andar a cavalo e de tanger gado pro curral no final da tarde. Gosto do entardecer no mato, do canto e da zoada das asas da nambu quando voa assustada, por trás das copas das árvores. Gosto de sertão vereda. Gosto de subir em pé de manga e de comê-las com sal, sem pimenta do reino pisada, só com sal. Tem uns corregos, estreitos e rasos que são só temporários, onde a areia do fundo é branca e macia, a água é fria e cristalina e as margens são cheias de flores roxas e brejeiras. A gente banha até sentado por ser tão raso e suave, não perturba o banho. Sua correnteza só carrega folhas secas e insetos, que são lançados das árvores pelo vento. Custavam ficar, as suas margens, cheias de borboletas amarelas pequenas, e de catirina, que beijam a flor-da-água e voam e param no ar. Fazem este movimento, por várias vezes, sem se fatigar. As mutucas amarelas procuram a testa, os ombros e os braços para picar. Tem um que alguns chamam de cabo-verde, pois é verde, pica com afinco, provocando muita dor e é extremamente perspicaz. Depois de botar o gado para dentro do curral, a gente ia banhar e dar água aos cavalos. Depois de matar a sede, amarrávamos com um cabresto longo para eles ficarem comendo a relva, aí íamos ao banho. Esquecíamos do tempo. Às vezes, quando nos dávamos conta, já era noite. Jantávamos e íamos direto para o fundo das redes no terraço, em meio a selas, gibão, cachorros, cadeiras, sacos de ração, cordas e cabresto, chapéus… As mulheres, sentadas no terreiro, com uma lua cheia clareando todo pátio e uma bacia cheia de laranja a ser desgastada em meio a tanta conversa. Alguém acende um cigarro de palha e fico saboreando o seu aroma. Matuto, sem fumo e sem cigarro de palha, é matuto “pirata” do Paraguai. Os “pros modes“, as “sumanas“, os “bons dias”… Vão enriquecendo o meu vocabulário caboclo e me fazendo ser tão vereda para viajar pelo sertão vereda nordestino…